PEDAGOGIA DOS MOVIMENTOS HUMANOS, SUA IMPORTÂNCIA E APLICABILIDADE PRÁTICA
Há um velho provérbio hindu que diz: o corpo é como uma cidade que tem cinco portas, referindo-se aos órgãos do sentido: olfato, tato, audição, visão e paladar. De modo que, por esses órgãos se desenvolve a inteligência prática (sensório-motora), a cognitiva, a afetiva, a social (SOUZA NETO, 2000).
SOUZA NETO (2000), num trabalho de enfoque antropológico, coloca que o corpo é o lugar privilegiado no qual o mundo se divide, com os múltiplos significados que recebe da realidade, constituindo-se num universo próprio, o universo humano. Porém, ao mesmo tempo em que decompõe este universo, o nosso corpo o reúne. Alto e baixo, na frente e atrás, direita e esquerda constituem graças ao nosso corpo, uma totalidade orgânica. Como organismo, é um conjunto de órgãos que permite as funções necessárias à vida. Da mesma forma é à base de percepção e organização da vida humana nos sentidos biológico, antropológico, psicológico e social. Dessa forma, o nosso falar, olhar, andar, sentir e pensar representa modos de vida, podendo-se dizer que o corpo é um corpo no mundo. Embora o corpo se constitua num universo de vida e para a vida, na escola tem sido desconsiderada a “atividade motora” das crianças desde os primeiros dias de aula, com restrições ao seu modo de ser e agir.
Para Kunz (1998), num trabalho considerado significativo, com base nas teses elaboradas pelos holandeses Buytendijk, Gordjin e Tamboer, e o alemão Trebels, os estudos sobre o “Movimento Humano”, no ocidente, seguem uma tradição aristotélica e/ou uma tradição galilaica. Para a tradição aristotélica considera-se a ação humana orientada a um objetivo final, sendo inerente ao próprio comportamento ou animal, pois, acredita-se que o comportamento exija um esquema de esclarecimento teleológico e/ou finalístico para com as intenções situadas no futuro. Na tradição galilaica entende-se que estas mesmas ações e acontecimentos humanos são determinados por um processo de esclarecimento causalístico. Nesta visão, o comportamento humano é entendido como uma conseqüência de determinadas causas que o precederam no tempo.
No âmbito desse processo, os “movimentos” e as tendências para a realização de movimentos, pelo homem no mundo de hoje, como muito bem observou Kunz (1998, p.7), se traduzem por causa da urbanização, do trânsito, dos locais de trabalho, do estudo, do consumo, etc., no “deslocar” e/ou na condição de ser “deslocado” de um lugar (ou de mundo) para o outro.
Portanto, o homem se desloca de um lugar para outro com o carro, com o ônibus, com o trem, ou para o mundo pela janela da televisão, mas não “se - movimenta”. Para o autor é nesse “se movimentar” que as chamadas ciências do movimento humano têm os seus maiores interesses em atividades como correr, andar, jogar, dançar etc., por serem exemplos do movimentar-se humano, cabendo a elas uma interpretação “natural”, mas também cultural.
Em face do exposto, considerando a literatura específica e a ciência do movimento, o “Movimento Humano” pode ser compreendido em termos de sua “função”, como no caso da biomecânica, da aprendizagem motora. Neste contexto, levam-se em consideração as ações que precisam ser efetivadas para que determinadas funções, no esporte, na dança ou em outra atividade da cultura de movimento seja executada, de acordo com os objetivos (por exemplo, um salto com vara) determinados e modelos de ação preestabelecidos, visando alcançar o êxito. Enfim, quando estamos diante desta “forma de movimento” podemos falar de uma “cientificização” (interpretação natural) do movimento. O que importa não é o se - movimentar humano que interessa nos estudos, mas a elaboração técnica de movimentos (criados e testados com aparelhos sofisticados e em condições específicas, como os laboratórios) e suas possibilidades de imitação pelo homem. Nesta perspectiva, a cientificização do mundo da cultura de movimentos faz com que o homem, num processo de “clonagem”, precise imitar tudo: pensamentos, ações, sentimentos e o seu modo próprio de movimentar. (KUNZ, 1998, p. 8)
Para falar a respeito da área de Pedagogia do Movimento Humano é necessário, antes de tudo, a compreensão do termo Pedagogia. Esse se refere à arte, ciência e profissão de ensinar. O foco de discussão será a Pedagogia do Movimento Humano como área de estudo, ou seja, como ciência. De acordo com Brunelle & Tousignant (1994), sob essa condição, ela se relaciona a duas sub-áreas: ensino e formação daquele que ensina. A primeira estuda as ações de ensino e seu impacto no processo de aprendizagem; a segunda investiga a preparação do profissional que ensina.
Na literatura internacional, o termo freqüentemente encontrado para definir a área de Pedagogia do Movimento Humano é Pedagogia das Ciências da Atividade Física. Assim, outros termos que merecem esclarecimentos para melhor compreensão dessa área são Atividade Física e Educação Física, termos correntes nas publicações.
De acordo com Bouchard & Shephard (1994), entende-se por atividade física qualquer movimento corporal produzido pelos músculos que resulte num substancial aumento do gasto das reservas energéticas, o que inclui as atividades físicas de lazer, a ginástica, o esporte, as tarefas da vida diária, entre outras. Já o termo educação física refere-se aos conhecimentos sistematizados sobre o movimento humano, conhecimento esse que deve capacitar o aluno para, com autonomia, aperfeiçoar suas potencialidades e possibilidades de movimentos para se regular, interagir e transformar o meio ambiente em busca de uma melhor qualidade de vida (Ferraz, 1996; Mariz de Oliveira, 1991).
Sendo assim, nem toda atividade física é educação física, pois, as atividades do cotidiano, do trabalho e da vida social implicam movimentos, mas isso não caracteriza educação física. Podem-se praticar atividades físicas como, por exemplo, o atletismo e a ginástica como um meio para se alcançar objetivos de lazer, melhorar a condição física ou com finalidades estéticas. Entretanto, esses objetivos são variados e definidos pelo praticante em um amplo universo de possibilidades; são, portanto, da ordem do possível e da vontade do praticante. Já essas mesmas atividades, como conteúdos da educação física, são os meios para se alcançar objetivos definidos “a priori”, que são da ordem do necessário, isto é, aquilo que não pode deixar de ser. Nesse sentido, a educação física tem como objetivo precípuo instrumentalizar o aluno para participar de programas de atividades físicas como ginástica, atletismo, natação, dança, esporte, etc., avaliando sua qualidade e adequação para a promoção da saúde e bem estar.
Tudo indica que a diferença fundamental está na relação meio/fim. No primeiro caso, a atividade física se constitui em um fim em si mesma e, no segundo caso, a atividade física é um meio para a educação física. Além disso, a educação física deve contribuir para a formação de um consumidor crítico dos espetáculos esportivos e informações veiculadas nos meios de comunicação, através de elementos conceituais e perceptivos que lhe permitam apreciar e refletir sobre a estética e a técnica dessas manifestações. Ao longo do tempo, a atividade física tem sido considerada um importante aspecto na vida do ser humano. Apesar disso, em várias partes do mundo a educação física, como componente curricular, tem sido questionada pela sociedade com relação a sua presença e seu papel na escola (Hardman, 1995/96).
É de suma importância afirmar que o movimento é a primeira manifestação na vida do ser humano, pois desde a vida intra-uterina realizamos movimentos com o nosso corpo, no qual vão se estruturando e exercendo enormes influências no comportamento. A partir deste conceito e através da nossa prática no contexto escolar, consideramos que a psicomotricidade é um instrumento riquíssimo que nos auxilia a promover preventivos e de intervenção, proporcionando resultados satisfatórios em situações de dificuldades no processo de ensino-aprendizagem.
Segundo Assunção & Coelho (1997, p.108) a psicomotricidade é a “educação do movimento com atuação sobre o intelecto, numa relação entre pensamento e ação, englobando funções neurofisiológicas e psíquicas”. Além disso, possui uma dupla finalidade: “assegurar o desenvolvimento funcional, tendo em conta as possibilidades da criança, e ajudar sua afetividade a se expandir e equilibrar-se, através do intercâmbio com o ambiente humano”.
Os movimentos expressam o que sentimos em pensamentos e atitudes que muitas vezes estão arquivadas em nosso inconsciente. Estrutura o corpo com uma atitude positiva de si mesma e dos outros, a fim de preservar a eficiência física e psicológica, desenvolvendo o esquema corporal e apresentando uma variedade de movimentos.
Através da ação sobre o meio físico com o meio social e da interação como ambiente social, processa-se o desenvolvimento e a aprendizagem do ser humano. É um processo complexo, em que a combinação de fatores biológicos, psicológicos e sociais, produz nele transformações qualitativas. Para tanto desenvolvimento envolve aprendizagem de vários tipos, expandindo e aprofundando a experiência individual.
Com base neste contexto, percebe-se a importância das atividades motoras na educação, pois elas contribuem para o desenvolvimento global das crianças. Entretanto, as crianças passam por fases diferentes uma das outras e cada fase exige atividades propicias para cada determinada faixa etária.
A psicomotricidade precisa ser vista com bons olhos pelo profissional da educação, pois ela vem auxiliar o desenvolvimento motor e intelectual do aluno, sendo que o corpo e a mente são elementos integrados da sua formação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOUCHARD, C.; SHEPHARD, R. Atividade física, fitness e saúde: o modelo e conceitos-chave e: BOUCHARD, C.; SHEPHARD, R.; STEPHENS, T. Atividade física, Adequação e Cinética Humano, 1994. p.77-87.
BRUNELLE, J.; TOUSIGNANT, M. Pedagogia e atividade física. E: BOUCHARD, C.; SHEPHARD, R.; STEPHENS, T. Atividade física, Adequação e Cinética Humana1994. p.113-9.
JOSÉ, Elisabete da Assunção & COELHO, Maria Teresa. Problemas de aprendizagem. São Paulo, Ática. 1989.
FERRAZ, O.L. Educação física escolar: conhecimento e especificidade. Revista Paulista de Educação Física, v.10, p.1-22, 1996. Suplemento 2.
HARDMAN, K. Ensino de Educação física escolar? Uma vista internacional. Processo de ICHPER, winter 1995/96.
KUNZ, E. Limitações no fazer ciência em Educação Física e Esportes: CBCE, 20 anos auxiliando na superação. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Número Especial Comemorativo dos 20 anos de Fundação – setembro, 1998, p. 4-11.
MARIZ DE OLIVEIRA, J.G. Educação física escolar: construindo castelos de areia. Revista Paulista de Educação Física, v.5, n.1/2, p.5-11, 1991.
PELLEGRINI, A. M.; SOUZA NETO, S.; BENITES, L. C.; VEIGA, M. e MOTTA, A. I. O Comportamento Motor no processo de escolarização: buscando soluções no contexto escolar para a alfabetização. In: Wilson Galhego e Alvaro Martim Guedes. Cadernos do Núcleo de Ensino. São Paulo, SP: UNESP – PROGRAD, 2003, p.271-284.
SOUZA NETO, S. O professor, quem ele é? In: Encontro de Educadores do Movimento Humanidade Nova, 1. 2000. Vargem Grande Paulista, SP: Movimento Humanidade Nova, 2000
Professor: Leonires Barbosa Gomes
Especialista em Educação Física Escolar