JOÃO DOIDO E O FIM DO MUNDO
O calor forte da tarde do sertão castigado pela seca já perdia sua força, o sol se aproximava do cume mais alto da serra da velha chica, a sombra da grande braúna já abrandava a alta temperatura em sua volta, alguns pássaros já voltava para ocupar seu lugar cativo nos grandes galhos, tudo parecia caminhar para um fim do dia dos mais comuns naquela mesorregião sertaneja. Os viajantes de saída começavam a arrumar suas sacolas e malas para seguir seus caminhos incertos, os que decidiam ficar começavam a se arrumar em volta da grande braúna na beira da estrada em frente à casa da fazenda, casa esta que todos aguardavam a vinda de alguns alimentos para matar a fome de viajantes de todas as espécies que passavam indo ou vindo pela grande estrada que cortava o sertão.
No final da pequena curva da estrada de pó de terra arenosa vinha um homem, alto, caminhar tranquilo, segurando um grande graveto como se fosse um bastão para lhe apoiar em sua caminhada, quem o via de longe o confundia com um pastor ou peregrino que cortavam o sertão levando mensagens divinas e anunciações de grandes devastações.
João Doido como era chamado, negro, alto, de poucas palavras, roupa velha mais totalmente alinhada se aproximou da grande braúna, quem ia sair de viajam perdeu a presa, quem não ia preparava suas perguntas, pois quem perguntasse não saia sem resposta, podia ser de matemática, física, química ou qualquer assunto que relacionasse a números e contas. João Doido pegava seu grande graveto e sem dar uma palavra riscava o chão seco e arenoso do sertão levantando um pouco de poeira, respondendo ou decifrando o que lhe foi questionado. Toda resposta era dada em letras e números romanos, grande maioria não sabia o que estava escrito por desconhecimento e analfabetismo, mas se divertiam com os desenhos e traços feitos por João Doido.
Entre as perguntas feitas neste dia, uma levantou dúvida, apreensão e medo do futuro, alguém meio desacreditado ou querendo um fim breve para sua vida amargada, sofrida e sem sentido naquele sertão perguntou:
- “João Doido quando vai ser o fim do mundo?”
Esta pergunta nunca tinha sido feita antes. João Doido ao escutar a pergunta arregalou seus grandes olhos, melhorou sua postura e segurou o graveto com mais firmeza, ficou por algum tempo refletindo com se estivesse meditando ou consultando o além de sua imaginação, após algum tempo começou a riscar o chão com seu graveto, neste dia para quem conhecia João Doido notava que algo não estava normal. João Doido tremia, suava e o graveto era pressionado ao chão com força, sendo entortado e quase sendo quebrado.
Mesmo sendo pressionado com força o graveto resistia e ia riscando o chão como se fosse um bastão divino assim como o de Moisés. Os números romanos iam saindo em um formato nunca visto antes, havia umas descrições de cima para baixo e outras duas cortando as descrições maiores no meio formando uma dupla cruz. Os números romanos eram nítidos, mas ninguém ali tinha conhecimento do que estava sendo escrito, pois quem conhecia João Doido sabia que quando era dada a resposta ele nunca falava do que se tratava quem recebesse a resposta, que procurasse entende-la ou decifra-la ou nunca saberia do que se tratavam aquelas descrições no chão seco e arenoso do sertão.
João Doido terminou suas descrições e ficou parado por algum momento, respirou fundo, fechou e abriu os olhos por algumas vezes, endireitou sua postura, pegou com a outra mão a outra extremidade do graveto empoeirado e se pós na frente das descrições chamando todos com um gesto para se aproximarem, quem chegou mais perto observou que estavam diante de uma dupla cruz constituídas de números romanos com sinais de mais e menos entre as duas partes menores da cruz, tudo bem feito no chão quente do sertão.
João Doido apontou o graveto para a parte menor da cruz e falou:
- Esta descrição na parte menor da cruz é MMXII, será quando homem conhecerá a primeira parte da destruição da terra, como virá não sei, o dia que começará e onde acontecerá não sei, mais um terço da vida desta terra morrerá.
Quem o conhecia ficou surpreso e apreensivo ao ouvir sua voz grave e clara, nunca naquela região alguém teve conhecimento que João Doido falava, esta seria a primeira vez que se ouvia sua voz.
João Doido continuou falando, agora apontava para a outra parte maior da cruz e falou:
- Esta descrição na parte maior da cruz é MMMXCVIII, se refere à segunda parte da destruição da terra, como virá não sei, o dia que começará e onde acontecerá não sei, mas sua devastação será maior e dois terços da vida desta terra ceifarão.
Cada explicação de João Doido deixava todo mundo apreensivo, o medo estava em cada semblante, às informações deixava todos sem rumo e uma intriga ficava eminente com a repentina volta da fala e o simbolismo riscado no chão. João Doido continuou a explicar a parte final:
- Esta outra parte intermediária da cruz vem com a descrição final MMMCLXXX, se refere à terceira parte da destruição da terra, como virá não sei, o dia que começará e onde acontecerá não sei, mas sua devastação será ainda maior e quase toda vida da terra acabará, sei que após alguns anos tudo começará de novo e poucos saberão o que aconteceu.
O anoitecer chegou rápido, o sol começou a se esconder por detrás da serra, os que estavam de partida perderam a vontade de partir, os que iam ficar começaram novamente a se arrumar em volta do tronco da braúna, por um instante perceberam surgir uma leve brisa no seco sertão e um vento leve começou a desfazer o desenho e as descrições de João Doido, quem parou para observar viu que saia pequenas luzes brilhantes quando o vento ia desfazendo as descrições até que todo desenho não foi mais visto.
João Doido sentou-se em uma das raízes da braúna que brotava do chão, calou-se e passou a meditar como se nunca estivesse ali, feito qualquer coisa ou falado qualquer com alguém, voltou ao sua condição normal conhecido naquela mesorregião do sertão.
O tempo foi passando e nunca mais ninguém fez pergunta para João Doido que de uma hora para outra sumiu do sertão e nunca mais se teve noticia de sua existência.
Léo Pajeú Léo Bargom Leonires
Enviado por Léo Pajeú Léo Bargom Leonires em 25/05/2011
Alterado em 21/06/2011